A Loja dos Potes de Emoções

Carmélia era uma pesquisadora elfa que começou recentemente a trabalhar na Biblioteca dos Magos do Reino de Vistifillah. Mas uma manhã indo para seu trabalho, ela não pôde deixar de notar que uma nova loja havia sido aberta na avenida em que ela costumava passar diariamente. Ficou seduzida pelas janelas coloridas e pela silhuetas de potes de todos os tipos de tamanhos e cores atrás das vidraças e não resistiu e entrou.
– Bom dia, minha jovem. Que emoção lhe traz até aqui? – perguntou uma bruxa troll com nariz torto e orelhas até mais longas que a dela.
Carmélia levou um choque. “Será que essa bruxa lê pensamentos?”, ela se indagou porque justamente estava pensando o quanto que não tinha gostado de seu emprego novo e estava indo para o trabalho naquela manhã, mas com uma intensa discussão em sua própria mente, pensando nas vezes em que aqueles magos reclamavam do serviço dela e a faziam ficar empilhando livros desde o começo do reinado; coisas chatas ao invés de deixá-la pesquisar e fazer sugestões e pareceres de coisas que ela ia vendo que deu certo ou errado no passado e que poderia depois repassar para a coroa, pois ela não sentia que eles tinham tempo de ler tudo aquilo e entender os problemas do reino de forma global. (Apesar do centro de Vistifillah ser rico, todo o entorno sofria de fome desde que uma família de dragões havia devastado as plantações e as colheitas nunca mais vingaram e foram o suficiente.)
– Eu só achei a fachada da sua loja muito bonita… – Ela tentou ser simpática, todavia não achava prudente abrir seu coração.
– Vejo que uma intensa preocupação sombreia seus olhos… Existe alguma coisa perturbando-lhe muito sobre esses livros que você carrega em sua bolsa.
Carmélia sentiu que a bruxa era muito mais experiente em telepatia do que imaginava e já estava tensa, tentando dar passos mesmo de costas para sair da loja. “Não sei o que deu na minha cabeça de entrar nessa loja “, pensou ela consigo mesma só que a bruxa parecia tê-la ouvido mais uma vez.
– Calma, não se desespere. Eu tenho um também um frasco para a emoção de preocupação aqui, querida. – E a velhinha empurrou uma escada e subiu até alcançar uma prateleira de onde tirou um frasco vermelho rubi e desceu até levá-lo ao balcão em frente da moça loira. – Simpatizei-me com você e também acho que se nossos reis lessem mais, eles não cometeriam os mesmos erros do passado.
Carmélia não poderia arregalar seus olhos azuis cobalto mais do que já tinha ao ouvir aquilo.
– Como isso pode me ajudar?
– Você não precisa beber, basta deixar na bolsa com você. Mas entenda uma coisa: todas as poções aqui são ótimas, capazes de resolver mesmo os problemas. Contudo, o que ocorre é que, como as emoções e a própria vida, sempre elas trazem coisas para nos desafiar ainda mais. Portanto fica por sua conta e risco se quer usá-la ou não.
Carmélia achou aquilo contraproducente. Por que levaria uma poção que até que resolve os problemas dela, mas que acabaria gerando outros problemas depois?
De toda forma, como a velha nem cobrou e insistiu para que levasse, guardou o pote em sua bolsa e saiu da loja.
Quando chegou na biblioteca para mais um dia maçante de trabalho, deixou a bolsa em sua cadeira e foi para a mesa transcrever mais livros velhos, conforme os magos anciões haviam-na ordenado.
As horas passaram devagar e por estar trabalhando concentrada o dia todo numa torre muito alta, nem sabia o que estava acontecendo nas ruas.
O povo comemorava que finalmente o sacerdote real tinha conseguido descobrir uma magia que funcionava e todos estavam andando com cestos cheios de pães e frutas pelas ruas, felizes. Carmélia nem podia acreditar.
“Será que isso tem a ver com a poção que comprei?” duvidou ela, até porque todos poderiam comprar lá quanta comida quisessem, porém, havia uma profusão suculenta nunca vista antes.
– Por favor, leve-me para a periferia. – Pediu para um cocheiro, pagando com três moedas de prata. Ela precisava ver se seu sonho tinha dado certo.
Ao chegar na parte até então mais pobre do reino ela pôde ver a mesma cena só que com uma emoção ainda maior: finalmente todos estavam podendo comer em paz e fartamente e os mesmos cestos estavam por toda parte.
Com o estômago satisfeito, as pessoas voltaram a ter mais energia e muitos gnomos e elfos trabalhavam juntos arando a terra que já havia sido limpa das velhas brasas e parecia ter tomado um novo fôlego pela vida.
– É melhor eu nem mais lavar essa bolsa, quem dirá tirar o frasco que aquela senhora me deu! -exclamou Carmélia, mas o cocheiro não entendeu nada e ela disse que foi só um pensamento e rindo contente por eles, pediu para voltar para casa.
Na manhã seguinte, passou em frente da loja, no entanto, o estabelecimento não estava mais lá. Carmélia queria agradecer pelo frasco, pedir desculpas pela sua desconfiança, porém, não encontrou mais a senhora e como estava atrasada para o trabalho, teve que ir embora apressada.
Carmélia trabalhou naquele dia bem mais tranquila, porque finalmente algo que a preocupava tinha sumido. Até mesmo os magos estavam comentando que vários livros haviam sido emprestados pela coroa e que os reis queriam criar uma campanha de leitura para que todos lessem mais e Carmélia vibrou com a notícia, pensando que finalmente os tempos de abundância e cultura tinham chegado definitivamente para seu reino.
Mas nem um ano se passara e já parecia que as notícias de prosperidade tinham atraído a inveja e cobiça de inimigos distantes e o reino de Vistifillah foi atacado violentamente pelas tropas do exército das sombras de Torgh.
Carmélia mal teve tempo de acordar direito naquele dia e já teve que fugir junto com os outros habitantes por meio de barcos que estavam posicionados na praia.
A solução era ir para a ilha mais próxima, a de Drim, pelo o que ela ouviu dos outros dentro do mesmo barco que ela e do próprio condutor, todos preocupados, e ela olhou com tristeza para as torres caindo com os tiros de pedras pesadas de balistas e vendo outros elfos e gnomos de seu povo desfalecendo com as flechadas e casas sendo saqueadas.
– Isso é culpa daquela velha cretina que me deu esse frasco cheio de maldições e ainda fugiu! – E então ela jogou o frasco no mar com raiva.
Chegando em Drim, todos foram instruídos a ficar nos albergues e aguardar a posição do rei e da rainha sobre o que deveriam fazer, e era nítida a preocupação das pessoas. Ali Carmélia enfim entendeu o que a velha lhe disse, porque de fato a vida sempre continuaria trazendo um problema atrás do outro, mas aprendeu a não enxergar mais isso com raiva e ainda desfrutaria mais das emoções novas que iriam surgir nas próximas semanas à medida que teria que ajudar na reconstrução do reino. Compreendeu também que a própria vida faz assim para que as coisas não fiquem chatas, mesmo que pareça um jeito meio duro de agir conosco, mas tão necessário.

Por Gisele Portes

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