Na Próxima Encarnação

Beto estava tentando se concentrar numa revista sobre o poder da mente, mas a leitura estava difícil demais por estar ansioso porque seria sua primeira sessão de hipnose.

A doutora Priscila Duarte o chamou e ele se dirigiu esperando enfim saciar suas dúvidas.
Já tinha perdido a conta de quantas terapias alternativas e mesmo medicina tradicional tinha experimentado, mas sua constante inquietude não passava. Pensou ser depressão ou algo do tipo, porém, tinha se cansado de médicos que diziam que ainda não era, se bem que ele ia de mal a pior.

– Por favor, deite-se senhor Castro – pediu a terapeuta já pegando seu pêndulo e Beto respirou fundo, esperando que dessa vez descobrisse a razão de estar sentindo tanta tristeza.

Como já havia falado na consulta de anamnese para a dra. Priscila, ele era um engenheiro bem sucedido que trabalhava para uma empreiteira de projetos rodoviários e arquitetônicos há mais de dez anos. Tinha uma esposa influente que era prefeita no momento, uma filha estudando para ser veterinária e um filho já formado em contabilidade que trabalhava na bolsa.

Todavia, apesar disso tudo, questionava-se de porquê então vivia tão decepcionado consigo mesmo, tão frustrado, ao ponto que esse abatimento já estava prejudicando sua produtividade e mesmo suas relações com seus subordinados pois vivia de pavio curto.

– Agora, fique tranquilo e apenas preste atenção em minha voz. – Beto deitou-se no divã preto como a doutora pedira e foi acompanhando o que ela dizia.

– Vá relaxando e deixe seu corpo o mais leve possível. Sinta seus pés ficando relaxados e a sensação de paz se espalhando pelas pernas… – Ela começou a falar cada vez mais baixo e pausadamente: – Agora pela barriga…pelos braços… pescoço…face…até o topo da cabeça. – A voz da doutora era muito relaxante e Beto percebeu que ela realmente sabia o que fazer.

– Olhe agora para meu pêndulo e o imagine dentro de sua cabeça, visualizando-o com sua imaginação. Perceba que você está cada vez mais calmo e com mais sono… – Beto de fato já estava quase fechando os olhos.

– Isso mesmo, você está com cada vez mais e mais sono e vai começar a dormir até eu contar cinco e vai acordar quando eu terminar de contar até cinco novamente. Então a doutora prosseguiu com a contagem regressiva:

– Cinco…quatro…três…dois…um… – E de repente, Beto estava naquele instante não mais dentro de um consultório mas numa espécie de depósito amplo e cheio de pedras enormes.

Ele viu escravos entrando e o que mais o chocou foi que eles tinham os mesmos rostos dos homens que trabalhavam com ele na empreiteira. Todos nem o olhavam de tanto medo e ele notou que pela suas roupas, sandálias e também por seu chicote cheio de sangue, ele estava controlando os escravos e resolveu sair para ver que a alguns metros de lá estava sendo construída a pirâmide do Egito.

Em seguida tudo voltou a ficar turvo e leitoso e as imagens não eram mais nítidas. Observou que era como se estivesse dentro de outra memória e agora, era um rico imperador e sua esposa estava ao seu lado também montada em um cavalo imponente e assistiam outros escravos, mas dessa vez construindo estátuas gregas e ainda mais agonizando debaixo do chicote de homens do império. Foi quando ficou incomodado ao sentir que seu rosto regozijava de prazer em ver aquelas cenas de tortura e por ter poder sobre aquelas vidas.

Acontece que neste momento, um escravo começou a gritar e, em pouco tempo, uma revolta estourou e os soldados não tiveram tempo de proteger a sua esposa que foi acertada por cinco flechas sucessivas manchando com sangue o pelo branco de seu cavalo, e Beto ficou tão apavorado em ver sua mulher coberta de sangue que acordou bem quando ele gritava naquela vida antiga: na minha próxima encarnação, eu não quero mais saber de nenhuma escravidão.

– Muito bem, como o senhor se sente? – A dra. Priscila perguntou após ele acordar.

– Como me sinto? – exasperou-se e depois arrependeu-se pelo susto que deu na terapeuta. – Estou péssimo, eu só vi como eu fiz pessoas sofrerem, como eu sempre vivi rodeado de pessoas escravas e como a pobre de minha esposa morreu em uma outra vida por causa de escravos que se rebelaram não exatamente contra o meu império mas com o modo em que eu deixava que fossem torturados.

– Então meus parabéns, porque o senhor mesmo tendo entrado aqui um pouco tenso, conseguiu relaxar bastante, tanto que acessou bem a fonte do que mais lhe perturbou em suas vidas passadas e que de alguma maneira está ainda viva em sua memória, e por isso que o senhor anda se sentindo tão triste apesar de ter uma vida estável e boa.

– Desculpe-me, doutora, mas para mim as coisas não estão nada claras. Eu apenas vi que fui um monstro que maltratava pessoas e não vejo como posso receber parabéns por isso.

– O parabéns foi para sua resposta mais rápida do que a média.A maioria dos pacientes não consegue descobrir já na primeira regressão o que precisa saber, e o senhor já viu que é sobre a maneira que o senhor age com seus empregados. Isso é um convite para que o senhor traga para fora o que o senhor já falou aqui para mim e exerça isso com eles, tratando-os como seres humanos e não mais como máquinas. Quando o senhor fizer isso, aposto que enfim encontrará mais paz.

Beto acertou o pagamento da doutora e de fato ficou surpreso que após ter gastado tanto com tratamentos inúteis, achou uma solução tão rápida, mas para pôr em prática, custou-lhe um pouco mais de tempo.

Foi um tanto difícil nas primeiras semanas vencer seu orgulho e começar a chamar os empregados que já entravam em sua sala tão tensos como ele estava no consultório da doutora Priscila, porém, ele desejava de coração agora, transformar a vida deles como a sua tinha sido transformada e enfim entendeu que não precisava ser rígido, severo e teimoso para ser respeitado e aprendeu que mais do que funcionários ali na empreiteira ele tinha uma nova segunda família.

Assim passou os últimos anos de sua vida de forma bem mais tranquila, até que no dia de sua morte, fechou os olhos sabendo que pelo menos nesta encarnação tinha acertado o que era para ter feito há muito tempo, mas para uma alma nada nunca é tarde demais.

Por Gisele Portes

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