
Chegou o dia mais esperado pelo aeropiloto Zacharias: a Corrida Anual de Naves ao Redor da Terra, o principal evento esportivo no século XXXII.
Zacharias estava animado: já tinha tomado seu café e pegado os suplementos que precisaria para lidar com a pressão atmosférica e a força da gravidade, colocando tudo em sua mochila. Vestiu seu uniforme adaptado para suportar as condições fora da atmosfera e partiu para a garagem pegar sua moto e ir até o aeródromo onde estava sua nave e as dos outros concorrentes.
Piloto profissional há muitos anos do exército, era um prazer a mais para ele poder voar em sua própria nave.
Quando o juiz robô apitou, todos os pilotos já estavam na pista para dar início à corrida, e o painel de Zacharias estava todo aceso, pronto para receber suas instruções mentais.
A aeronave dele, assim como as outras daquela época, não precisava de manche pois respondia perfeitamente aos comandos mentais dele.
Então ele se pôs a se concentrar fortemente desde nas rodas debaixo da nave que estavam se recolhendo para dentro da parte inferior do casco, até na nave toda abrindo suas asas de metal especial e que ganhava os primeiros metros acima do solo e que disparou pelo ar cada vez numa velocidade maior.
Zacharias já estava acostumado com o fato de que naquela modalidade não podia nem se permitir a pensar nos outros na disputa porque senão perderia o controle na hora, e a nave poderia ficar avariada ou até mesmo colidir e explodir.
Mas era exatamente isso o que ele mais gostava naquele esporte: não precisar se preocupar com o que os outros poderiam estar pensando e tudo o que importava para vencer era focar em sua nave e fazer o que sentia e sabia que deveria.
“Quem dera se a vida na Terra fosse sempre assim também: só precisar se importar com o que a gente quer de verdade e não com o que os outros falam, se no nosso coração achamos que é a coisa certa a ser feita”, ele já havia pensado logo depois de sua primeira experiência de voo, já apaixonado por aquela corrida.
Além disso, sentir que podia fazer algo que dependia exclusivamente de si mesmo, de sua própria vontade nua e crua, porque só isso mesmo bastava para fazer os controles entenderem como deveriam mexer as engrenagens internas para ir cada vez mais rápido, era fascinante e uma experiência de liberdade incrível.
Às vezes se aproximavam outras naves sempre atrás dele, porém, ele sabia que nenhum aeropiloto seria louco de gritar ou de fazer qualquer graça para tentar atrapalhá-lo e ultrapassá-lo, porque isso também os faria desconcentrar e perder o controle de suas naves, podendo ocasionar acidentes terríveis e perderem muito mais do que apenas a competição, mas também a própria vida.
Naquela corrida inusitada o mais importante era apenas focar, e quem fosse capaz de fazer isso melhor, ganharia.
Alguns ainda tinham preconceito e tachavam essa condição de “esporte para egocêntricos” no qual o indivíduo que mais pensasse em si mesmo é que venceria, mas na verdade ele nunca achou isso, porque não consistia necessariamente em ser egoísta, mas sim em ser muito corajoso para ser capaz de pelo menos por alguns minutos esquecer do resto do mundo e concentrar-se apenas no que se queria. E isso, mesmo numa Terra tão futurística, ainda não era nada fácil para a maioria das pessoas que ainda tinha o péssimo hábito de não ter força para ser si mesma – por isso esse esporte também era o mais popular do globo, pois muitos se projetavam nos aeropilotos e queriam ter aquelas mesmas capacidades de autocentrar-se e de livrar-se do desgosto de se preocupar demais com a opinião e atos alheios ao ponto de não conseguirem nem agir direito.
Zacharias notou o visor frontal sobre o painel da nave mostrando que ele tinha acabado de ficar fora da atmosfera e o céu antes azul, já estava preto e estrelado e ali naquele momento sim, ele sabia que a corrida de fato tinha começado e concentrou-se ainda mais forte em girar a nave ao redor da circunferência total da Terra, mesmo que distante de sua atmosfera.
Por causa da potência supersônica de sua nave, em apenas seis minutos e cinquenta e quatro segundos circundou toda a Terra e ainda com seu pensamento, solicitou que o computador a bordo equipado com uma poderosa IA estabelecesse as coordenadas do ponto de origem da sua partida para retornar ao aeródromo do Brasil que ficava em São Paulo.
Tentou não se importar com o fato de não ter visto nenhuma nave próxima dessa vez, pois se desse muita importância a esse pensamento simples, isso poderia se transformar em algum tipo de emoção maior, desregulando a nave e estragar sua corrida seriamente.
Então voltou a entrar na atmosfera e continuava sem avistar nenhuma nave concorrente.
Só que logo começou a pelo menos visualizar de novo a pista de aterrissagem lá embaixo e inclusive as pessoas pelas arquibancadas com seus companheiros robôs e os juízes cibernéticos, nas bordas da pista gigante.
Pousou isoladamente e com agilidade, ouvindo o apito de encerramento, mas desceu com muita calma porque sabia que tinha vencido e que agora poderia sentir suas emoções sem problema algum.
Com poucos segundos de diferença, percebeu as naves que estavam muito atrás dele chegando e o juiz robô o parabenizou, em meio aos gritos da torcida, dizendo que ele foi ainda mais rápido naquele ano, batendo mais um recorde.
Quando foi ao pódio para receber mais um troféu e fazer seu discurso de vitória, Zacharias enfim aproveitou para poder dividir com as pessoas o seu segredo para tantas vitórias consecutivas:
“Eu amo ser piloto e poder participar da Corrida Anual de Naves ao Redor da Terra sempre que posso porque toda vez eu tenho a mesma sensação mágica de poder, por pelo menos algum tempo, ter a oportunidade de só me concentrar no que quero fazer e calar meu medo do que os outros vão dizer de mim e calar minhas fantasias aterrorizantes sobre o que as pessoas vão fazer de mal ou de ruim contra mim. E naqueles instantes, eu finalmente não sofro.
“É um momento especial em que eu posso ficar comigo mesmo, e eu sei que não me torno um só com minha nave, mas me torno um só com tudo que me rodeia e é o Todo que me ajuda a vencer sempre porque para ele nada é impossível. Então, nesse momento eu nem preciso ser o mais rápido para vencer essa corrida, apenas preciso continuar correndo. Portanto fica claro para mim que todos nós só precisamos manter a perseverança de continuar que assim, não vai haver mais nenhuma impossibilidade para nós.”
Ele encerrou o discurso sendo muito ovacionado e pronto para a próxima corrida, cheio de brilho nos olhos.
Por Gisele Portes