
Eu estava decidida a fingir que ele não existia. Eu não queria nem mesmo conversar com ele, com medo do que isso ainda poderia causar para mim. Eu tinha começado a menos de um mês no meu novo em uma empresa de site de relacionamentos, mas eu mesma era uma piada: fazia um ano que eu não pegava ninguém.
Mas desde que o Caio voltou do mestrado na Itália, o filho do dono da empresa, eu estava percebendo que meu coração mesmo não agüentava mais esperar.
Embora eu não precisasse levar relatórios ou ter um contato mais direto com ele, ele mesmo fazia a questão de sempre passar em meu departamento, onde eu cuidava da parte de manutenção dos perfis das pessoas e fazia com que os usuários pudessem ver quem gostou de seus perfis e fazia o backup do envio das mensagens. Ele não precisava passar tanto assim em meu departamento, pelo o que eu entendia. Mesmo assim, ele passava.
E toda vez que ele vinha para minha sala falar com a minha chefe, a Sebastiana, eu via como ela o engolia com o olhar e fazia de tudo para se oferecer para ele e eu condenava aquele comportamento, perguntando-me como que uma mulher podia agir daquela maneira. Mas aos poucos eu fui percebendo que na verdade, eu é que queria ter toda aquela coragem de ser mais ousada e mostrar logo para ele o quanto que eu também sentia muito interesse por ele. Só que vivia uma luta interior muito grande, porque ao mesmo tempo em que eu estava querendo me permitir, dar uma nova chance para mim de ficar com outro cara, eu ficava me lembrando do meu último relacionamento que foi extremamente difícil, onde sofri muitas humilhações e doíam tanto ainda minhas feridas que isso prejudicava até um pouco o meu próprio trabalho, pois eu morria de inveja daqueles casais tão felizes, postando vídeos de jantares românticos, de passeios incríveis e eu sempre chupando o dedo e sozinha.
O Caio era inteligente e sempre sabia como se desvencilhar com classe de Sebastiana, e não eram raras as vezes que ele fingia que queria beber uma água ou tomar um café na cozinha dos funcionários, apenas para ficar mais próximo de mim.
Eu usava a cozinha como uma fuga da minha mesa de trabalho e também para não ter que ver ele, tanto quanto com a Sebastiana quase esfregando as tetas na cara dele, falando perto e de pé atrás dele, enquanto ele ficava sentado vendo os relatórios e planilhas de engajamento de nossa rede social, quanto também eu queria fugir para que ele não notasse o quanto que eu também ficava o olhando, sedenta por ele, louca por ele, mas sem a menor coragem de arriscar nada.
Doeu demais meu último relacionamento e mesmo fazendo terapia, eu não conseguia ainda me sentir bem e normal novamente após um rompimento que para mim foi muito intenso. Eu já tinha falado para a minha psicóloga que toda vez que eu pensava em começar um novo relacionamento, tudo que eu conseguia pensar era não nos momentos bons que teríamos, mas sim, no dia final, no dia do rompimento – e toda a dor de meu coração quebrado voltava à tona como no dia que rompi com o Raul; e como eu tinha me esforçado demais para conseguir me recompor e começar naquele trabalho novo, eu simplesmente não queria voltar a sentir dor de novo caso não desse certo.
O Caio, enquanto eu não me decidia, ficava elogiando continuamente meu trabalho, e eu percebia que ele fazia pequenas sugestões de outros casais recém-formados através de nosso site, e sempre acabava me convidando para restaurantes e cinemas que foram palcos de relacionamentos de pessoas que tinham se conhecido em nossa plataforma. Eu conseguia ler muito bem as sugestões dele e entendia o que ele estava querendo sugerir para mim, eu apenas tinha medo demais do dia da separação e eu nem conseguia curtir aqueles primeiros momentos nossos, nossas primeiras conversas, brincadeiras juntos.
Mas por outro lado, eu morria de raiva da forma como a Sebastiana se oferecia para o Caio, como ela era toda fácil, toda se mostrando para ele, e eu fiquei sabendo que ela tinha o convidado para um encontro no shopping da cidade, mas ele desconversou e não foi – pelo o que pude ouvir da conversa de outros colegas, certo dia que cheguei no serviço.
Naquele dia, o Caio ligou pela primeira vez para o meu ramal e me chamou para a sala dele da vice-presidência.
Eu desliguei o gancho do telefone suado com mãos trêmulas e foi difícil ir até a sala dele com as pernas tremendo de ansiedade. Eu queria muito ter um momento mais privado com ele, mas ao mesmo tempo, eu dei cada passo pensando nos possíveis xingamentos que ele me diria, na porta batendo na minha cara, e como eu me sentiria péssima no dia que ele acabasse comigo.
Quando abri a porta, ele já estava me esperando e disse gentilmente:
-Sente-se, Ágatha.
Sentei-me, tentando disfarçar o desconforto e a briga entre minhas emoções por dentro de metade de mim feliz por estar sozinha e a outra metade muito preocupada e temendo pelo pior.
-Olha, hoje você não poderá me dizer que você tem que estudar para a sua pós, ou inventar que não vai dar tempo de a gente sair. Está vindo aí o feriado do carnaval, e teremos quatro dias, então a gente pode sair hoje à noite e você ainda terá tempo amanhã e até domingo. O que você acha? Já ouviu falar daquele filme novo o Céu Escarlate? Tenho certeza que você vai amar. É com aquela atriz que falei que lembra você.
Notei que Caio foi muito inteligente e realmente eu estava querendo ver aquele filme. Mas trabalhando num negócio como aquele, eu não duvidava nada que ele tivesse visto meu perfil em segredo, visto os meus gostos, mas pensei que por mais que tudo tenha sido bem planejado por ele, ainda era fofo ele fazer todo esse esforço por mim.
Meu lado mais racional e cheio de medos jogou um caminhão de preocupações sobre mim naquele momento e queria que eu inventasse qualquer desculpa para não ir, contudo, aqueles olhos azuis intensos dele me encarando cheios de esperanças e animação e o sorriso largo e convidativo realmente mexeram fundo comigo e acabei aceitando.
-Isso é ótimo! Vou lhe buscar às sete, pode ser? – Caio me perguntou muito mais feliz do que eu imaginava e concordei novamente.
Acabou que a noite foi um verdadeiro portal para o paraíso dos próximos dias. Não sei como eu tinha conseguido, mas de tanto ouvir os conselhos da doutora Bianca, a minha psicóloga, eu resolvi tirar o “grilhão da preocupação” de meus pés, como ela chamava essa mania que eu tinha de ficar nervosa com o futuro, e resolvi focar naquela noite e fiz muito certo, porque o beijo forte, penetrante, quente e perfeito que o Caio me deu depois do filme (e depois várias vezes no apartamento dele) me convenceram que realmente não fazia mais sentido eu ficar me punindo tanto pelos erros do meu relacionamento passado e precisava mesmo sair daquelas crenças de que não conseguiria mais nada depois do que eu vivi com o Raul.
Até mesmo a forma como nós fizemos sexo naquela noite, foi muito melhor do que tudo que eu fiz com o Raul. Caio realmente sabia fazer preliminares maravilhosos – cada beijo seu; cada lambida delicada em meus ombros enquanto tirava as alças do meu sutiã; a maneira como me fez atingir o orgasmo várias vezes apenas chupando meus mamilos e depois o modo como tirou minha calcinha com seus dentes, alisando minha barriga e coxas com suas mãos firmes e fortes; tudo isso foi o suficiente para eu dormir e acordar como se tivesse enfim saído de uma verdadeira cadeia que eu mesma tinha posto para mim, porque eu sabia que enquanto eu vivia ainda o luto daquele antigo namoro, o Raul já estava até noivo de outra. Mas o Caio veio me mostrar que eu não precisava mais sofrer por nada.
Porém, logo todo o escritório percebeu nosso relacionamento cada vez mais próximo e ao mesmo tempo em que eu estava vivendo um paraíso com o Caio, começou um inferno para eu viver com a minha chefe que estava cheia de ciúmes e que começou a fazer uma verdadeira campanha para me deixar mal em meu trabalho, objetivando maleficamente causar a minha demissão.
Ela nunca tinha criticado tanto o meu trabalho como naqueles dias, e logo foram aparecendo erros na minha parte no site que antes não existiam e comecei a suspeitar que era ela quem estava corrompendo o meu código, mexendo com a organização do meu banco de dados e backup apenas para depois me acusar de ser negligente, distraída e passou a me repreender em público, e a comentar cada vez de maneira mais aberta que se eu não melhorasse em minha distração, isso poderia causar minha demissão além de me rebaixar dizendo que desde que comecei a namorar, nunca mais fui uma funcionária eficiente e responsável e estava levando meu trabalho nas coxas, apenas para ter mais tempo de ficar no chat com meu namoradinho.
Ai, como eu saía nervosa do trabalho naqueles dias, e eu comecei a ficar queimada no escritório todo.
Quando o Caio passava no meu departamento, ninguém tinha coragem de falar sobre o que estava acontecendo entre a Sebastiana e eu, ninguém vinha em minha defesa, as pessoas agiam como se tudo estivesse normal, e isso só me machucava mais.
Eu sabia que isso iria dar errado – eu comecei a pensar e sofrer muito com aquela perseguição em meu trabalho.
Mesmo louca de paixão pelo Caio, eu não podia abrir mão do meu trabalho, porque eu dependia daquele salário para poder pagar minha pós e ajudar meu pai que estava muito doente.
Então eu comecei a evitar o Caio, a me distanciar, até que um dia ele bateu em meu apartamento e quando eu atendi, ele foi logo entrando, nervoso:
-O que está acontecendo com você, Ágatha? Você voltou a não querer mais sair comigo. O que aconteceu? Eu fiz algo de errado com você?
Havia lágrimas nos olhos dele, coisa que eu jamais vira nos olhos do Raul. Geralmente quando ele brigava comigo, era só eu que chorava. Aquilo mexeu comigo mais do que eu esperava e embora eu tivesse me planejado para dizer para o Caio que eu sentia que nosso relacionamento não tinha dado certo, que a gente não combinava e que queria terminar – o que seria a primeira vez de eu terminar com alguém, porque em todas as outras vezes, eu é que fui chutada -, eu simplesmente não conseguia falar nada. Estava muito abalada e dividida.
-Por favor, Ágatha. Explique para mim o que aconteceu. Se eu errei, eu quero poder corrigir as coisas com você – ele me implorou, então eu é que comecei a querer chorar e resolvi abrir meu coração e contei tudo de ruim que a Sebastiana estava fazendo comigo.
-Não é possível! Apenas por ciúmes… o que ela está tentando fazer é destruir você! Ela quer que você perca a cabeça e peça demissão, porque sabe que seu trabalho é muito bom e que a empresa não será louca de lhe demitir à toa. Mas amanhã ela vai ver só.
E dito e feito: Caio conseguiu comprovar que Sebastiana estava fazendo assédio moral contra mim no trabalho através de gravações da sala e até com conversas com um ou outro colega que teve a coragem de falar enfim o que presenciou, e ela foi quem foi demitida e não eu.
Agora, as memórias que mais guardo em minha mente e dais quais me lembro muito mais do que dos péssimos momentos com o Raul que por tanto tempo me prenderam, atrasaram minha vida e não me deixaram namorar e ser feliz como eu sempre mereci apesar de todas as mentiras que ele me dizia; são a de ter visto a Sebastiana arrumando as coisas dela em uma caixa e deixando a nossa empresa e a de poder assistir ela caindo da escada de arrogância dela que por tantos dias me tratou como um lixo, como se eu não merecesse ser feliz e só ela.
Além disso, cada buraquinho em minha mente onde antes haviam as lembranças amargas com o Raul, está sendo preenchido por memórias maravilhosas de beijos, amassos, cumplicidade e compreensão que eu recebo todos os dias com o Caio: ainda bem que decidi seguir em frente e virar a página.
Por Gisele Portes