
Faz tempo que todo mês tem novidade.
Pena que são sempre péssimas,
trazendo coisas cada vez mais pesadíssimas…
Chegou a época de desgraças coletivas e de austeridade.
Chego em casa e para me receber só há contas.
Trabalho feito condenado, e nada muda.
Meu único prazer é chegar em casa e ficar sem terno, só de bermuda.
Pego cerveja e na ligação, meu amigo famoso pelos nos filmes pontas.
“Aí, Marcelo, escuta antes de ficar só reclamando!”
Vem ele com suas censuras,
e peço para falar logo e deixar de frescuras,
afinal dublê não entenderia o que eu no mercado de ações estou passando.
“Você vai ver, isso vai te relaxar mais do que você imagina.”
Ele finaliza e eu desligo, incrédulo que mais uma vez na sua lábia caí,
só que não aguentava mais ficar naquele prédio e resolvi arriscar e ir:
para esquecer do stress e nervo, melhor mesmo fugir para a colina.
Cheguei a fazenda do Horácio e ele queria me mostrar sua nova potranca.
Achei que era outra de suas amantes, e foi me levando para o estábulo.
Comecei a achar aquilo tudo tão estranho que me faltou vocábulo.
“Essa é a Canela. Meu novo amor é essa égua linda!”, falou com voz franca.
“Olha, rapaz, não vim lá da capital para ser com algum crime envolvido.”
“Para de besteira”, falou ele rindo. “Lembra que a gente jóquei era?”
De fato já tinha corrido, mas ao invés de fazendeiro, cacei outra quimera:
uma que quando alta me anima, mas que quando desce, me deixa moído.
“Larga mão desse mercado que só te deixa estressado,
e vamos recuperar os bons tempos e voltar a correr!”
Horácio não era mais ator e fez o haras do qual falou até me enlouquecer,
e resolvi pelo menos dar uma volta e subi no animal selado.
Correr pelo campo me deu uma extrema liberdade:
era ótimo não ver ninguém me ultrapassando, comprando primeiro,
ou vendendo antes de mim; e o bicho parecia meu companheiro
de tempos, mas era viva ainda a minha habilidade.
Em pouco tempo os pesos do escritório e da plataforma saíram das costas.
Sentamos para beber, e Horácio falou dos seus planos
e de como queria sediar provas todos os anos.
Parabenizei meu amigo e voltei com energias mais dispostas.
Porém, tudo que me irritava também voltou,
e lá estavam de novo os atrasos, do trânsito a lentidão,
dinheiro escoando e minha mente cheia de novo de poluição.
Assim não tinha jeito, deixei tudo e ao campo meu espírito me levou.
Assim, era como se eu tivesse voltado a viver,
e entrei como sócio do empreendimento, além de poder correr.
Ser livre sempre foi minha prioridade, mas meu amigo soube escolher
melhor, e por sorte, eu entendi a tempo de não virar oco cadáver.
Por Gisele Portes