
Minha vida até parece um invertido regime semiaberto:
durante o dia o trabalho é minha prisão,
e somente à noite que posso sentir meu espírito enfim liberto
de todas essas regras idiotas e infundada obrigação.
Hoje em dia há uma moderna escravidão:
seu salário não pode comprar tudo que sua alma quer;
ninguém consegue relaxar após tanta aporrinhação.
No meu crachá meus dados, mas onde está meu ser?
O cansaço é meu bônus mensal.
O desânimo é minha gratificação natalina.
Mais um dia de ponto batido; meu sonho cada vez mais irreal.
Sem tempo para viver; não chegar atrasado é a única adrenalina.
O computador do escritório me vê mais do que minha família.
Lá fora a vida rebola para mim de forma atraente.
Em um rompante, dou novo uso para a mobília:
atiro a cadeira no vidro e pulo para não mais voltar a esse batente.
O que importa é na minha frente a praça:
vou ser enfim livre como os pássaros nas árvores.
Cumprimento meus novos colegas de turno a me olharem com graça.
Largando tudo, ninguém mais vai lucrar com minhas dores.
O que me sustenta é minha arte:
artesanato, malabarismo, violão no semáforo.
Mas agora o sentido voltou em minha vida a fazer parte:
não preciso mais mendigar por valorização e levar só desaforo.
Por Gisele Portes