
Fazia tempo que eu já vivia em confortável desconforto.
Na loja, eu era o último ursinho de pelúcia.
Todos os outros brinquedos riam de mim com sorriso torto:
pena que a embalagem não me deixava lhes mostrar o dedo com fidúcia.
Se achavam superiores
só porque tinham sido escolhidos e eu não.
Mas fui me acostumando com a rejeição dos compradores,
e gostava de ter mais espaço na prateleira como opção.
Os outros presentes me olhavam com estranheza,
mais conheci umas defeituosas porcelanas e um velho faqueiro.
Aprendi que muita gente padece de emocional mesquinheza
e que eu devia me escolher e me amar primeiro.
Então parei de dentro de minha caixa chorar,
lamentando e me revoltando por todas as noites de solidão.
Foi assim que meu coração voltou a cantar,
e enfim fui doado para um orfanato onde fui recebido com gratidão.
Por Gisele Portes