Capítulo 2: Trilha de Dados [Como Programar o Amor — Degustação]

Capítulo do e-book Como Programar o Amor

Olá, minhas Galáxias!

Depois da descoberta da programadora Cibele da traição de seu namorado por meio de vídeos gravados no celular por sua prima Débora, qual será a reação dela? Ainda não viu? Acompanhe aqui a postagem anterior: https://giseleportes.com/2023/01/07/capitulo-1-verdadeiro-ou-falso/

Sentiu curiosidade? Segue então o capítulo de hoje logo abaixo. E se você está curtindo esta minha nova história, adquira hoje mesmo o e-book completo pelos links:

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Agora vamos para o segundo capítulo e espero que gostem!

2. Trilha de Dados

Já tive refluxo quando adolescente por ser muito ansiosa, me curei, mas o jeito que o lanche parece querer voltar para minha garganta como reação ao que vejo no celular da Débora, me faz lembrar daquela época horrível. Ela também está tensa, e após conseguir engolir enfim digo:

  — Você… deve ter se confundido. — Pelo menos é o que desejo, tentando proteger desesperadamente meus sentimentos. 

  A Monique entrou para a mesma equipe que eu de desenvolvimento de eletrocérebros e de demais órgãos eletrônicos. Tais tecnologias são recentes ainda, de apenas uma década, surgidas em 2046 e que deu o pontapé para a presente Singularidade que agora é a nossa “Mãe Governamental”, a ELA: uma inteligência artificial geral sempre observando e cuidando de nós humanos de forma questionável, honestamente. Já os circuitos e mecanismos desses órgãos sintéticos são capazes de imitar e elevar para outro nível o funcionamento dos corpos para comportar a IA que estamos aplicando em eletropets e robôs.

  Então, formamos uma parceria intensa num ambiente altamente masculino. Uma verdadeira irmandade protetiva contra possíveis preconceitos ou abusos. Pelo menos eu não tive mais problemas com o Guilherme incomodado com os outros rapazes colegas de trabalho eventualmente dando em cima de mim, porque a Monique sabe se posicionar e é muito assertiva e logo tomou minhas dores e passou a me defender também de qualquer saliência no ambiente de trabalho. Assim, quando me dei conta, já estava confiando muito nela e a considerando minha melhor amiga, porque a Débora já tem a condição de ser minha prima que nos aproxima. Porém, com a Monique realmente acabei contando coisas que nem para a Débora contei ainda. 

  Conforme nossa amizade foi se aprofundando nesses sete meses, descobri que a origem de sua postura agressiva contra os homens tinha a ver com seu recente término traumático com um namorado de dez anos, um engenheiro canadense de uma fábrica de chips, e que a motivou refazer toda a vida, deixar o emprego na mesma fábrica e retornar para o Brasil, vindo, em seguida, por causa da boa experiência, trabalhar na Metarrobia. 

Continuo analisando com nojo as fotos de quem eu pensei ser minha melhor amiga com quem eu também pensei ser meu namorado em beijos quentes em um lounge de uma casa de eventos. Isso embrulha não só o meu estômago, mas minha alma. 

  As mãos no cabelo ou no rosto um do outro, com beijos em diferentes ângulos não coincidem com a imagem de pessoas que conquistaram minha confiança e sentimentos profundos. 

  — Com certeza é montagem. Algum desocupado deve ter mandado para você só para irritar. 

  — Não viaja, Cibele! Ninguém mandou isso para mim por invejinha do seu relacionamento ou sei lá o quê, se é isso que você está achando. E nem pense que eu é que fiz montagens e edições por puro ciúmes de você ter praticamente grudado na Monique nos últimos meses e passado a considerá-la mais sua amiga do que eu, pois não sou possessiva ou vingativa assim e sei dividir minhas relações. Fui eu mesma que as tirei! E também gravei esse vídeo. — A Débora pega o celular rapidamente de minhas mãos trêmulas e seleciona uma atrocidade pior para esfregar em meus olhos derrotados. 

  Não tem como não dizer que é o meu namorado Guilherme: seu cabelo comprido e preto caindo sobre os ombros magros e definidos daquela loira de cabelo curto e olhos verdes safados como os dele que eu tão bem reconheço; sua barba que sempre lhe deu um charme de viking roçando os lábios vermelhos dela que me contaram tantas piadas divertidas no intervalo do trabalho; as tatuagens tribais nos braços fortes dele, envolvendo a cintura fina dela que eu mesma a ajudei a conquistar com um app fitness e de reeducação alimentar.

  — Eu saí hoje mais cedo com o Rogério e fomos nesse clube recém-inaugurado na Vila das Macieiras. Pense em um lugar chique. O próprio bairro é o mais rico daqui, você sabe.

  — Agora quer jogar na minha cara que o Guilherme prefere a Monique porque os pais dela têm mais dinheiro que os meus? — Sei que a Débora não tem culpa, mas está difícil manter a serenidade.

   — Os detalhes que estou falando são para você notar o quanto que o Guilherme é e sempre foi interesseiro e de péssima índole. Ou alguma vez ele te levou para um lugar assim?

  Eu chacoalho a cabeça em tom de negação e não consigo mais sequer olhar para a tela. 

    — Eu estava curtindo o clima, enquanto o Rogério pagava nossos drinks e no que a garçonete se afastou, por acaso olhei atrás do meu namorado e eu vi o seu agarrando alguém que não era você. E é lógico que gravei e fotografei discretamente, com o Rogério me dando cobertura, porque você endeusa tanto esse cretino que sei que não acreditaria em mim. Depois, falei para o Rogério que a gente tinha que voltar porque eu não ia ver isso tudo e não te falar nada ainda hoje, prima. Pensei de te enviar pelo Alô, mas achei triste demais fazer isso com você sem estar por perto para te dar qualquer apoio que você precisasse. — Débora encerra me olhando com carinhosa preocupação.

  Não sei se seria melhor nem ter sabido de nada disso, pois a dor no meu peito é angustiante. Mesmo assim, junto o que me resta de forças para pegar o celular da Débora, aproximo a tela dele com a do meu e copio os arquivos para a memória.

  — Por que você vai salvar isso? Não quero que você fique agora se torturando com essas imagens, Ci! O Guilherme não merece que você fique agora chorando no quarto e revendo essa merda pesada.

  — E quem é que disse que eu vou ficar chorando? Eu tenho muita coisa para fazer — respondo, guardando meu celular e abrindo o portão. Débora se levanta e corre atrás de mim.

  — É melhor você passar a noite aqui e não sair com essa cabeça quente do jeito que você deve estar. Amanhã você analisa melhor a situação. Não quero que você termine essa noite fazendo uma besteira que talvez você se arrependa depois.

  Vejo sinceridade no que a Débora me fala, mas acabo subindo em minha moto novamente.   — E o que você quer que eu faça? Que eu fique aí com você, comendo pipoca e vendo série madrugada afora, enquanto já estão na quinta trepada?

Coloco meu capacete, ligo a moto e corro como se minha vida dependesse disso, mesmo sabendo que muitos postes estão com suas câmeras me filmando e que posso pegar uma multa alta e perder Créditos Populacionais, o que vai comprometer até os meus ganhos no próximo mês, mas é um risco em nome de passar essa história a limpo, porque tenho aversão à mentiras e a ser iludida.

  Primeiro, obviamente, tento ir à casa de eventos Prazeres Digitais Club, palco do crime, que meu celular detecta com o app escaneando as fotos e vídeo. Mesmo que não faça muito tempo desde que minha prima fez esse dossiê de trairagem, suspeito que eles já devam ter ido embora porque não os vejo em nenhuma das mesas pelo lounge cercado de gente dançando e bebendo.

  — Boa noite, uma água com gás, por favor. — Minha vontade é a de pedir no balcão antes de sair uma garrafa de vodca, porém, não quero me matar na estrada… Talvez não ainda.

  A atendente é uma moça de pele parda e de cabelo roxo, híbrida, pois noto os olhos felinos astutos e uma cauda laranja e delicada atrás do quadril com roupas de designer sofisticado, mas adequado para o emprego num lugar desses. Procuro ser simpática, já que a traição parece ter aumentado até mesmo minha intuição e algo me diz que ela é o tipo que gosta de observar muito a vida dos humanos ainda sem a modificação corporal e de DNA por curiosidade e até para se autoafirmar como superior. 

  Pergunto, inventando qualquer coisa na hora para não parecer uma louca atrás de um namorado traíra:

  — Por acaso você viu esse moço do vídeo por aqui? É o meu irmão com minha cunhada e a gente combinou de se encontrar aqui, porque hoje é minha formatura do doutorado em algoritmos e vamos comemorar.

  Aguardo a resposta enquanto ela vê a parte que lhe mostro dos dois que é bem menos quente. Fico torcendo para que ela tenha começado o turno dela a tempo de ter visto o Guilherme, e o aponte para mim nesse clube gigantesco, ou, melhor ainda, que possa me confirmar se ele já foi e quando.   — Vi sim, mas já faz tempo que eles se foram, cerca de uma hora.

Fico pensando por um momento no que a atendente me fala. Se ele já saiu daqui ou ele já está em casa, ou — e pensar nisso me machuca muito — ele deve estar em um motel, usando até óculos de realidade virtual e outros brinquedos tecnológicos com a cobra da Monique.

  Realmente preciso controlar meus pensamentos para não surtar de dor e ansiedade com a enxurrada de emoções negativas, enquanto eu agora sigo para o local menos cruel das opções que tenho para achá-lo.

  Os postes deixam as vias e calçadas iluminadas como se fosse um dia eterno, e as avenidas e estradas são todas tecnologicamente inteligentes e responsivas com alarmes, então é raro haver acidentes. Ainda mais porque os veículos são também inteligentes e mesmo correndo na velocidade que meus Créditos Populacionais ainda me permitem, percebo que muitos carros são gentis e deixam minha moto avançar.

  Guilherme mora em um prédio smartno centro, e ao chegar, identifico-me na portaria.

  Uma câmera robótica escaneia meu rosto e não preciso de muitas burocracias, porque o sistema ainda me reconhece e me aceita — o que me surpreende pelo fato do safado não ter me banido do sistema de identificação de pessoas de fora do apartamento dele ainda, ou então está gastando tanto tempo com a Monique que não deu ainda para fazer a alteração. Sou habilitada a entrar no local onde até o começo do dia de hoje eu amava estar.

  Enquanto subo o elevador, sei que corro o risco de ele já ter recebido o aviso de que cheguei se estiver por aqui. E se ele levou a falsiane da Monique para seu apartamento com certeza já está pedindo para ela se esconder ou mesmo dando um jeito para ela sair rápido pela área de serviço para que eu não a veja, apenas para continuar me enrolando.

  Só de pensar sobre isso, sinto outra pontada de decepção em meu coração e chego até a apertar a bolsa mais junto de meu corpo, precisando de algum tipo de calor nem que seja artificial e de um objeto inanimado.   Como fui me enganar tanto assim com ele? Por que nunca suspeitei de nenhum sinal estranho? Vasculho minha memória e só me lembro da nossa vida calma de dois namorados fixos de seis anos, em uma relação surgida ainda no meu primeiro ano da universidade, em que estudamos na mesma turma de Ciências da Computação e Robótica, e que prometia ser para a vida toda.

Ele sempre foi muito presente e companheiro, ajudou-me demais na Metarrobia e mesmo sendo do setor de movimentação e linha de montagem dos robôs, eu podia contar com ele para ir depurando meus códigos conforme eu os codava para termos mais tempo livre no expediente. Além de ter sido o meu primeiro namorado a dar certo porque nunca tive muita sorte no amor e os outros garotos queriam meninas mais extrovertidas do que uma nerd que preferia passar o final de semana todo programando. Quando o vi indo para as aulas com camisetas de memes de funções logarítmicas, senti que tinha tudo para dessa vez ser sucesso.

  Será que tudo foi um teatro? Que enquanto ele fingia todo esse carinho e amor comigo para me distrair e me deixar às cegas, toda deslumbrada, foi distribuindo o mesmo afeto doce dele para outras mulheres, feito licença open source?

 Também estou dividida com o que será de mim agora a partir da decisão que eu for tomar esta noite. Namoros, casamentos e vínculos familiares em geral contam muitos pontos dentro dos Créditos Populacionais no Sistema de Cadastramento e Creditização de Conduta Social, o SCCCS, que vigora no país atualmente e que decide sobre a que tipos de serviços, bens e vantagens teremos acesso, até mais do que o próprio dinheiro digital que deixou de ser tanto um indicativo de status social como era sua versão física de algumas décadas atrás.

  Quando a porta se abre para o andar treze vou caminhando até o apartamento sessenta e nove e se o primeiro número me faz me sentir mal pela onda de azar que esse número já carrega e não sei que tipo de situação vou ter que enfrentar, o número do apartamento dele infelizmente me faz ter pensamentos invasivos de muitas coisas que já fizemos e de repente parece que a cada passo, mais que perco minha confiança e tremo com o que vou ter que lidar.

  Respiro fundo e passo meu identificador no decodificador ao lado da porta que abre normalmente. Meu coração está pulando de ansiedade; tenho medo do que vou ver. Escuto risinhos vindos do sofá bege, caminho lentamente e antes mesmo de começar a odiar a cena horripilante que vejo, sou surpreendida por um berro e uma trombada violenta.

  Quando me levanto do chão com o abdômen dolorido, deparo-me com um amontoado de cabelo loiro e metido sobre mim, saindo com pressa numa nuvem de perfume enjoativo que quando passa só me faz ter certeza do quanto que realmente não vale a pena querer respostas sobre as malditas fotos e vídeo.

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