Capítulo 3: O Projeto [Como Programar o Amor — Degustação

Capítulo do e-book Como Programar o Amor

Olá, minhas Galáxias!

A programadora Cibele resolve ir se encontrar com seu namorado Guilherme e pôr as coisas em pratos limpos. Mas o que ela vê a deixa em uma péssima situação. O que será que aconteceu? Ainda não leu os capítulos anteriores? Acompanhe aqui as postagem anteriores : https://giseleportes.com/2023/01/07/capitulo-1-verdadeiro-ou-falso/ e https://giseleportes.com/2023/01/14/capitulo-2-trilha-de-dados-como-programar-o-amor-degustacao/

Sentiu curiosidade? Segue então o capítulo de hoje logo abaixo. E se você está curtindo esta minha nova história, adquira hoje mesmo o e-book completo pelos links:

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Agora vamos para o segundo capítulo e espero que gostem!

3. O Projeto

  — Cibele? O que você está fazendo aqui? — Guilherme sai do sofá e me vê caída perto da porta, me perguntando com a cara mais falsa que já vi na vida. E nada de me estender a mão para que eu me levante. E nada de querer saber se estou bem. E nenhum sinal de culpa aparente ou remorso.

  — Sou eu ou a Monique que está no lugar errado e na hora errada? — Eu mesma me surpreendo com minha ousadia, apontando para a traidora que na hora da pressa de fugir acabou trombando em mim e que me olha frustrada por não ter tido tempo de desaparecer.

  Guilherme chega a engasgar por ver que eu já sei de tudo e agora de pé novamente, encaro firmemente seus olhos, notando toda a sua aflição de quem foi pego de forma inesperada fazendo coisas bem impróprias. Ele deveria estar com a mente ocupadíssima e nem ouviu o dispositivo do porteiro eletrônico avisando sobre minha visita ou o movimento da porta da sala.

  — A Monique só veio me ajudar com o final do nosso projeto, na montagem das articulações de braços e pernas do eletropet gato persa. — Guilherme me explica, mas não consigo comprar essa ideia por mais que ele esteja mesmo nessa tarefa ultimamente.

  — Não sabia que houve uma atualização nos sinônimos de safadeza para “projeto”.

  — Olha, não vou admitir que você diga que sou safada — Monique me fala exasperada com as bochechas ainda mais vermelhas por debaixo de todo seu blush, também já de pé. Pelo visto como não pôde fugir, vai tentar vir para cima de mim.

  — Prefere que eu chame o que você fez com meu namorado de cadelice? Sente-se melhor não com safada, mas e com cadela? — desafio-a, mostrando que não sou partidária de levar chifre e ficar calada.

  — O que é isso, Cibele? Perdeu a cabeça? — Dói muito ver o Guilherme defendendo a outra e não a mim. Furiosa, mas fazendo o possível para manter o equilíbrio e provar que se ele não se importa comigo eu sim me importo com meus direitos, dou play no vídeo que os dois protagonizaram tão bem algumas horas atrás.

— Só perdi a cabeça porque vocês perderam a vergonha antes. Como você pode me trair com minha melhor amiga? — questiono primeiro o Guilherme, fazendo de tudo para manter minha voz firme. — E você, que tanto me fez acreditar que é a minha melhor amiga, a mais companheira e confiável, como pôde se envolver com meu namorado? — indago agora a Monique e me dá nojo de como ela não me encara nos olhos, e busca nele um amparo que eu mesma não tenho. 

  — Calma, está na cara que isso é uma montagem mal feita. — Guilherme tenta desconversar, usando o mesmo argumento que usei quando eu ainda era trouxa e queria manter as esperanças com ele. Mas bater de frente com seu cinismo ridículo é tão detestável que já apaguei dentro de mim meus sentimentos por ele, ainda mais ao notar que ele está pouco se lixando para a minha dor e tudo que lhe interessa é contemporizar e colocar panos quentes sobre um ato tão deplorável desses que não tem como negar. — Há sobreposição aqui nos rostos, e eu não tenho orelhas tão grandes, e nem a Monique tem esse nariz de batata, e…

  Sinceramente eu não estou nem um pouco a fim de ouvir o parecer técnico e frio dele, completamente parcial e tendencioso para favorecê-los e me pôr como a louca da história. Ele sempre teve muito ego inflado, ainda mais por ter trabalhado com correções de olhos-câmeras de eletropets e no desenvolvimento de visão superior à humana para eles.

  — Foi a Débora quem gravou e fotografou vocês dois juntos hoje, antes de virem acabar o encontro aqui em seu apartamento. Além de me trair, você vai agora caluniar a minha prima?

  Minha dureza o balança. Toda sua pose gélida de quem está tentando manter a ordem e justificar o injustificável com desculpas escrotas de viés profissional quando é evidente a quebra de compromisso vai por água abaixo, e nem ele deve estar esperando um confronto tão corajoso da minha parte.

  — Acho melhor eu ir embora e deixá-los conversando em paz. — Monique está muito nervosa e parece que está com medo que eu a desfigure aqui nessa sala, e vontade não me falta.

  — Pois quem vai embora sou eu! — exclamo já indo em direção ao elevador. Para mim, a noite está acabada. Contudo, ter que ver Guilherme confuso entre se dá apoio moral para a Monique ou se vem atrás de mim, destrói-me ainda mais.

O elevador desce e com ele toda a minha fé na continuação da linda história eterna que já chegou ao fim. Se imaginei que fosse só um mal-entendido, uma aventura passageira por parte dele, estou vendo que realmente fui substituída que nem uma peça desgastada.

  Não tenho condições de voltar para a minha casa dirigindo por mim mesma e ativo o modo smart de minha moto para ela me levar de forma autônoma, enquanto tento reorganizar a bagunça que está minha cabeça.

***

  Quando chego, passo que nem raio pela sala e vou direto para o meu quarto, torcendo para que nem a mamãe e nem o papai me vejam e façam perguntas inoportunas. Tudo que quero é esquecer essa dor maldita que está devorando minha alma. Ser firme diante dos outros é fácil. Difícil é ficar sozinha em meu quarto e não desabar no choro e desconsolo.

  Mil questões estão rodando ainda minha mente e por um momento longo sinto como se não soubesse mais o que vou fazer daqui para frente. 

  Seja prática, Cibele! O pior já aconteceu e você tem que ser lógica!, cobro-me, sentando-me em minha cama e alisando a minha testa em busca de meu cérebro racional, desejando que ele trabalhe mais do que meu coração em frangalhos porque há muito que eu preciso resolver.

  Vai haver o casamento do meu irmão dentro de algumas semanas e quando os convidados serem surpreendidos com a péssima notícia de que não estou mais com o Guilherme, infelizmente talvez me entreguem para a Secretaria de Relações Sociais para que eu tenha uma baixa em minha pontuação e meus Créditos serão diminuídos até o fechamento do mês. E o pior que não posso reclamar por se isso acontecer, já que é assim que a droga da lei exige, além de que vão achar que estou fazendo uma grande desfeita justo numa data tão importante por ter comparecido sozinha.

  Enxugando minhas lágrimas numa camiseta com um joystick que vejo que é mais um dos presentes do mentiroso, e que atiro com ódio pela janela, passa-me pela mente que de fato o pior que pode me ocorrer é ficar com a corda no pescoço, porque minha situação financeira não está boa e perder Créditos não vai colaborar em nada com minha contabilidade. E até que esse pensamento prático me ajuda a sair um pouco do torpor desse tumulto emocional inútil.

Cercada pela companhia apenas de meus ursinhos de pelúcia de jogos que pelo menos fui eu quem comprou, pego um e abraço forte, sentindo-me mais sozinha do que nunca. Olho para meu celular e vejo que há dez ligações perdidas da Débora, no entanto, não tenho forças para conversar com ela. Só penso com autodesprezo o quanto que eu errei de não ter uma lista maior de contatinhos e de não ter adicionado os rapazes do trabalho que sempre me deram bola.

  Como vou achar outro namorado a tempo?, deslizo frustrada minha lista que só tem nerds com medo demais de chegarem em mim depois da superproteção absurda daquela idiota da Monique, que na verdade, esteve apenas roubando minhas chances de ter algum tipo de estepe para esse momento que ela já devia estar planejando, então, de destruir meu namoro com o Guilherme. Mas é difícil não ficar pensando que talvez até mesmo esses caras também possam me trair quando eu menos esperar, ainda mais quando me olho no espelho e vejo que qualquer um deles pode encontrar outra garota melhor que eu e isso me dilacera ainda mais. 

  Flashes de como a Monique vivia me falando maravilhada que eu e o Guilherme éramos um casal encantador, que éramos perfeitos juntos e que se fôssemos personagens de alguma série, ela com certeza iria nos shipparmuito, e que era uma pena nunca ter recebido tanto amor assim do ex dela, mas que sonhava um dia merecer uma paixão dessas, agora fazem um sentido absurdo e essa víbora foi apenas uma amiga da onça, uma narcisista completa, esperando para me passar uma bela de uma rasteira.

  Pelo visto, essa predadora-de-namorado-da-melhor-amiga fez um perfil completo de minhas carências e pontos fracos, e descobriu como conquistar a minha confiança em tempo recorde mesmo, porque me fez uma lavagem mental tão grande que antes mesmo de sete meses que a conheço, já passei a considerá-la minha melhor amiga. Ainda mais porque tirando a Débora, nem consegui fazer amizades profundas na época da faculdade de tanto que o Guilherme e eu vivíamos colados e praticamente todo mundo que eu conhecia nem mais está no Brasil.

  Eu também posso ter perdido chances de explorar mais o meu potencial e ter arrumado um emprego melhor no estrangeiro por ter ficado tanto só com ele…, concluo vendo mais uma besteira feita. De repente acabei mesmo me sacrificando, anulando-me e me doando demais nessa relação, enquanto que ele já está praticamente com a vida ganha e será herdeiro da Metarrobia e não tem porque esquentar a cabeça, mas e eu? O que estive fazendo por mim?

Acabei deixando todo mundo meio que me guiar e a Monique viu em mim um alvo fácil a ser derrubado, logo convencendo o Guilherme de que é melhor do que eu.

  Tanto é que eu nem me atentei para nada perverso quando ela começou a demonstrar muito mais interesse do que eu mesma por movimentos robóticos, até que foi transferida para o setor do Guilherme. Lembro que até comemoramos a transferência dela, alegando que essa área tem muito mais a ver com os gostos dela e ela se sente mais realizada.

  Sinto-me uma estúpida por ter caído nesse papinho tão fácil. Essa história é como um HD defeituoso e não importa o quanto eu ache que ainda há algo a ser recuperado, é um bad block atrás do outro.

  Eu mesma cheguei a contar para ela que apesar de meu pai ser diplomata e minha mãe cineasta, ficou combinado que não me dariam mais nenhuma mesada assim que eu fizesse 18 anos e como ganhava só uns trocados como desenvolvedora freelancer enquanto estudava, na época, foi o Guilherme que ajeitou para que eu trabalhasse na Metarrobia logo depois que nos graduamos, e consegui subir muito meus Créditos graças a ele, superando os outros candidatos porque ele é filho do chefe e CEO da corporação, o senhor Ivan Walter.

  O que nem eu e nem meus próprios pais poderíamos sequer imaginar é que o Diogo, meu irmão, estouraria no final do mesmo ano como um novo nome forte e que viraria pouco depois referência na robótica, com sua empresa voltada para a área dos humanoides com diversas funções. E o Guilherme cansou de me implorar para continuar com ele na Metarrobia… Cadê todo esse negócio que ele não podia ficar sem mim por perto?

  Coloco meus fones de ouvido com um gótico bem pesado para tentar controlar meus ressentimentos, porém, o som só me instiga a pensar mais sobre o Guilherme. Afinal, como ele pôde me ajudar tanto para iniciar minha carreira, e por que ele me queria tanto por perto o tempo todo, até mesmo insistindo para que eu trabalhasse nessa empresa que ele, lógico, já tem vaga garantida?   Será que o Guilherme realmente é interesseiro como a Débora me disse e por ter visto que a Monique tem bem mais cursos e especializações de Machine Learning e Ciência de Dados até por faculdades renomadas do Canadá e Alemanha, prefere ela a mim?,

arremesso transtornada todos os meus bichinhos de pelúcia contra a porta no ritmo da bateria acelerada.

  — Filha, você está bem? — minha mãe me pergunta, desviando de um bichinho mais pesado que abre a porta que esqueci entreaberta. Olho no relógio do celular, saindo do meu transe de raiva e compulsão para desvendar a verdade, e nem tinha me dado conta que já são duas da manhã.

  — Ah, eu me distraí um pouco com o pessoal do trabalho no chat, mamãe — respondo casualmente com um sorriso bem audível e extenso, tentando disfarçar o quanto que estou quebrada em cada centímetro do meu interior, porque não quero preocupá-la.

  — Cuidado com seus Créditos. É melhor você dormir antes que ELA perceba que você não está descansando o suficiente. — Minha mãe me aponta a câmera do corredor e tudo que sinto é uma revolta bem grande e vontade de quebrar aquilo. Aliás, vontade de quebrar tudo que grava nesse planeta. Mas esse objeto do governo não tem culpa nenhuma de eu ter levado um chifre dolorido e um triste pé na bunda.

  — Tem razão, mãe. Vou dormir sim agora — digo toda simpática, mandando um beijinho de longe para minha mãe que me olha com carinho, enquanto ajeito minha cama.

  Talvez só não esfolei a cara da Monique com o próprio salto alto dela porque devo ter sentido medo das câmeras.

  Fecho a porta direito e o fato é que a última coisa que vou conseguir fazer é dormir, com meu coração agitado e meu sangue fervendo ainda desse jeito. Coloco meus óculos de VR enquanto me sento em uma almofada em frente à minha TV de LCD de 100 polegadas e apenas quero me distrair em um cenário fictício intenso qualquer.

  Opto pelo modmais sensual do Paraíso Profundo. É um jogo no Metaverso lançado ano passado pela Metarrobia também e é sobre escolher um personagem e fazê-lo conquistar e manter boas relações e atitudes para subir o máximo que puder seus Créditos Populacionais através de um mundo ficcional, todavia, extremamente idêntico às smart cities atuais.   Só que o mod que eu mesma inseri não tem nada de politicamente correto. Tenho skins sexies para colocar em minha avatar, uma ciborgue bem gostosa com seios de metal e

cabelo encaracolado verde água. Escolho vesti-la com uma lingerie de oncinha pelo selecionador de roupas que lembra um guarda-roupa moderno, e sinto o tecido tocando minha própria pele e a esquentando delicadamente, bem como o couro consistente das botas pretas provocantes. Já estou sentindo o ar da rua quando saio em frente de minha mansão com piscina — só de ver todo o poder que tenho nesse jogo, meu humor já vai mudando.

  Racionalmente, sei que estou apenas controlando minha personagem de pixels, entretanto, os cenários ultrarrealistas desse Metaverso e os óculos VR me causam um sentimento extremamente convincente de que realmente sou eu que estou andando por essa Wifia alterada, indo para a esquina onde está a minha boate preferida (se bem que na vida real, é apenas uma agência bancária autônoma que existe lá entre as ruas Ram, a do meu prédio, e a Rom.)

  Sinto a empolgação da minha avatar acelerar meu próprio coração. Ainda mais por haver no principal clube da cidade, inserido por mim para haver mais diversões por aqui e programado para só tocar gótico de ritmos eletrônicos, vários homens musculosos e verdadeiros pedaços de mau caminho, com máscaras pretas, calças de couro e peitos nus bombados e lisinhos me chamando para um palco com uma barra de pole dance.

  Subo sem o menor pudor e com cara de quem está preparada para qualquer aventura. Os rapazes tocam em minha pele, colocam o dedo por debaixo da alça de minha lingerie e tiram os bojos com as bocas diante de uma boate cheia de outros avatares de voyeurs loucos pelo o que vou fazer com os quatro rapazes.

  Então movimento meus olhos para fazer uma pop-up de opções surgir, enquanto continuo dançando e me esfregando neles e seleciono com meu pensamento captado por meus óculos VR a opção de Compartilhamento de Orgasmos, que permite que eu e os outros online aqui comigo nessa boate possamos sentir o prazer um dos outros simultaneamente.

  Esqueço completamente que meu corpo real está sentado em uma almofada em frente de uma TV em um simples quarto físico, e minha mente é bombardeada por sensações descontroladamente luxuriosas comandadas por sons sombrios, eróticos e envolventes.

  Não há mais divisão entre as emoções de minha avatar e as minhas; uma perfeita fusão sensorial online-física.

Aqui posso sentir todo tipo de prazer sem censura e sem pensar em traidores ou em controles da sociedade externa ao meu mundinho privado.

***

  Escuto minha mãe batendo na porta novamente e dizendo que já são sete horas… Espera, de quando?

  — De segunda, Cibele! Você ficou trancada aí o final de semana todo, menina! Não vai trabalhar hoje?

  Caramba…

  Tiro os óculos e já está um solzão lá fora. Fiquei distraída na orgia virtual e só me resta meia hora para eu estar apresentável e na empresa. Ai, como eu queria que já tivessem inventado o teletransporte.

  Nunca fiz tudo tão rápido: escovei os dentes; me vesti; peguei as minhas coisas do trabalho; me despedi de meus pais; peguei uma maçã da mesa do café para ir comendo e voei com minha moto.

  Só no banheiro da empresa é que consigo respirar sem acreditar na minha própria rapidez.

  — Cibele, venha logo! — escuto minha gerente de setor Laura Ferreira me chamando do lado de fora do banheiro. — Você se esqueceu da reunião? — ela me questiona, enquanto eu abro a porta pensando por um lapso em como seria bom, se não houvesse um probleminha de hierarquia aqui, falar para ela parar de gritar assim porque minha cabeça está estourando por não ter dormido quase nada nos últimos dois dias. Contudo, sei que isso é impulso de o quanto estou machucada e com minha mente toda embaralhada, então, apenas sorrio e respondo:

  — Estou um pouco nervosa e estava revendo no meu celular as minhas falas da apresentação do nosso projeto.

  — Ora, Cibele, você irá muito bem. Confio em suas habilidades e por isso que a escolhi para hoje.

Eu realmente admiro a Laura desde que entrei aqui, mas como ela viaja muito, normalmente nos falamos por videoconferências e não temos um contato mais profundo, pois sempre as tarefas são passadas para todo o grupo de programadores e as entregas dos trabalhos são enviadas pela internet. Com mestrado em Deep Learning, Laura é uma negra alegre e de postura sólida que me passa uma força extraordinária só de estar próxima a ela.

  Dentro da sala de reunião vejo todo mundo ao redor de uma ampla mesa cinza grafite de trabalho já com seus laptops ligados e nosso chefe-geral Ivan Walter chega um minuto apenas depois que eu me sento e inicializo meu notebook.

  Sei que não terminei meu protótipo e aproveito que por sorte a Laura senta afastada de mim e não vai me ver digitando as linhas finais enquanto os outros estão apresentando e comentando sobre suas partes de outros projetos, porém, com jeito de quem toma nota, sempre dou uma espiada para eles e concordo com a cabeça, voltando o olhar para minhas linhas de comando no segundo seguinte.

  — Senhorita Cibele, é sua vez agora pela equipe de programação da área de sistemas nervosos eletrônicos — o senhor Ivan me chama de forma levemente desconfiada devido às minhas ações ansiosas e camufladas com sorrisinhos e mãos atrapalhadas com meu notebook, mas consigo acabar bem na hora que ele finaliza a frase, puta merda. Se eu sempre tivesse sido rápida assim na minha vida toda como hoje, estaria no lugar dele agora.

  — Bom dia! — cumprimento com cortesia já na frente de todos. — Eu lhes apresento o eletrocérebro para robôs-cachorros de raças maiores!

  E ligando o meu notebook no projetor, eu discorro primeiramente sobre as linhas gerais do código criado por mim que vai dar a estrutura para as outras etapas do projeto de eletrocérebro de minha equipe de desenvolvimento. Começamos no ano passado com modelos robóticos de pequineses, beagles e pugs e hoje é um dia importante para apresentarmos nossos avanços.

  Olhando o sinal de cabeça e sorriso de “Vai fundo, garota!” da Laura, prossigo a apresentação para a parte prática da atuação dos pastores alemães e são bernardos.   — Um cérebro que permitirá que nossos eletropets possam brincar com muito mais liberdade e alegria. — E vou alternando os slides e vídeos curtos exibindo robôs-

cachorros amigáveis e contentes correndo em jardins e parques, pegando no ar frisbees lançados. Embora eu tenha montado minha apresentação aproveitando os ambientes do Paraíso Profundo para simular como os robôs-cachorros atuarão no mundo real assim que estiverem prontos para a comercialização, não distribuí óculos VR para a equipe dessa vez, para poder imergir e interagir com o que estou apresentando, porque nem tive tempo de alugá-los com a minha vida estando essa loucura toda, e tive que fazer vídeos de meus testes no Metaverso para reproduzi-los, o que vejo que não agradou muito o senhor Ivan, mas prossigo como se tudo estivesse bem.

  — Assim, os donos e amantes de pets terão uma experiência muito mais rica e semelhante com a situação real. Nossos eletropets passarão a lhes fazer companhia de forma muito mais efetiva e amável, principalmente para crianças hospitalizadas, em fase de recuperação pós-operatório ou com condições especiais como autismo, síndrome de Asperger e TDAH. Além de essa linhagem estar com a aparência muito mais idêntica a animais reais, pois adicionamos pelos e unhas artificiais sobre a estrutura. E a depender da evolução das vendas, poderemos adicionar peixes e aves em breve.

  Apesar de o foco nos últimos meses de minha equipe ter sido com desenvolvimento de robôs-cachorros e termos também uma divisão da equipe projetando robôs-gatos, minha previsão chega a capturar a atenção de todos até o final, porém, fico constrangida com os roncos de meu estômago com fome: resultado do fim de semana todo inativa da realidade normal.

  — Muito bem, Cibele. Agora veremos a cereja do bolo. Podem entrar Guilherme e Monique.

  Sento-me e não sei se estou mais incomodada com a expressão “cereja do bolo” devido à minha fome gritante ou ao ver Guilherme com sua cara lavada entrando sem nem olhar para o meu lado da mesa e todo metido como o verdadeiro filhinho do CEO que ele é. É irritante vê-lo tão bem e procuro manter minha postura em minha cadeira o mais controlada possível para não dar o braço a torcer. Só que ele não se importa nada com a minha presença ali e só fica mexendo por uns segundos num controle remoto enquanto uma plataforma de metal com rodas automatizadas vem trazendo algo de formas humanoides todo coberto por um lençol azul cobalto.    Logo atrás dele vem a Monique que está com a cara, por sua vez, duas vezes mais lavada e ela é boa para disfarçar a falta de vergonha com muita maquiagem. E com um sinal de OK dele, ela puxa para baixo o lençol, surpreendendo a todos inclusive a mim mesma.

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