Capítulo do e-book Como Programar o Amor
Olá, minhas Galáxias!
Após a decepção com o seu namorado Guilherme, Cibele apenas quer focar no trabalho. Porém, como eles trabalham na mesma empresa Metarrobia de desenvolvimento de Robôs e Metaversos, ela acaba encontrando Guilherme com a atual durante a apresentação de um projeto da equipe e algo ainda mais revoltante acontece para a Cibele. O que será?
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4. Beleza Artificial
— Por favor, Guilherme e Monique podem começar. — Ouço o senhor Ivan solicitando para os dois sonsos e nem posso acreditar no que meus olhos estão vendo e no que meus ouvidos estão escutando.
— Senhoras e senhores, aqui está nossa nova filha, Tiffany! — Guilherme a apresenta feliz e Monique sorri para todos, enrolando o lençol e o pondo sobre outra mesinha, voltando seu olhar para o rosto de sua criação, extasiada.
Confesso que até me esqueço da raiva que sinto pelos dois quando vejo quem está na nossa frente: uma mulher lindíssima está de pé sobre a base de metal. Monique aciona o telão atrás dela e uma apresentação começa a ser transmitida exibindo em cores suaves só para efeito de informação dados de altura de um metro e sessenta e peso de cinquenta quilos, entre outros apontamentos anatômicos de medidas e funções.
Tiffany é uma morena com cabelos compridos negros até os seios fartos e sensuais, com reflexos azulados pelas mechas mais escuros que seus meigos olhos azuis carregados de um domínio profundo e magnético sobre nós. Os técnicos de Processamento de Dados mais perto da plataforma dela ofegam como lobos com profundo apetite. Os lábios dela têm um toque de batom nude, um blush leve e rímel nas doses certas. Seu vestido da cor do pôr do sol é magnífico e cobre de maneira instigante suas curvas perfeitas, acabando sobre graciosos pés com unhas pintadas também com esmalte nude e com as sandálias brancas de tiras mais belas que já vi.
— Bom dia, senhores! — ela cumprimenta calorosa toda a equipe com um sorriso cordial e um aceno meigo e a sala exclama surpresa, principalmente os rapazes que não param de filmá-la e tirar fotos com os celulares, o que me traz péssimas memórias e me esforço para me conter. Não parece nem mesmo uma mulher comum; está no nível de uma top model europeia.
— Até a gente quer socializar com ela! — comenta empolgado o pessoal da Engenharia e Mecânica.
— Não tem como não se apaixonar! — acrescenta com caras de bobos, os rapazes da Física e Bioquímica.
— Ela vai fazer muitos ricos perderem suas fortunas! — vibra a equipe da Experiência de Usuários e de Interface Humano-Máquina.
— Não necessariamente. Os magnatas não vão perder, e sim, transferir suas fortunas para o caixa da Metarrobia. Contemplem o valor desses quadris e foquem no quanto poderemos faturar — complementam os matemáticos e o pessoal do Planejamento.
— Muito obrigada, estou lisonjeada — ela responde graciosamente e não posso acreditar que uma mulher aceite esses comentários machistas a tratando como se fosse uma mercadoria.
Eita, o que eu estou pensando? “Mulher”? “Mercadoria”? Não é possível. Estou tão impressionada com a criação do casalzinho que eu mesma estou perdendo a noção do limite entre a realidade humana e a robótica, tamanha a sua perfeição que faz se tornar imperceptível seu lado eletrônico, credo!
— A Tiffany é a nossa primeira robôa de relacionamento cujo Nome foi totalmente reconfigurado e passou por um upgrade para conseguir se relacionar com os seus donos humanos em um nível de socialização que nenhuma outra sex doll comum dos concorrentes ou linha de robô-funcionário já atingiu antes. Praticamente, fundimos o melhor dos dois mundos nessa beleza de tecnologia.
Guilherme continua a apresentação com propriedade, tirando tantas exclamações de espanto que nem mais me sinto a única boiando sem nem saber no que esteve trabalhando.
Cada vez fica mais nítido que somente o Guilherme, a Monique e o senhor Ivan realmente sabiam do que estava acontecendo.
Contudo, sou a única que se sente lesada e ninguém notou que também foi usado: cada um contribuindo conforme sua especialidade com sua diminuta parte, mas sem visualizar todo o projeto e muito menos as mudanças radicais no Nome, que agora vão estabelecer toda uma nova rede neural de consciência robótica própria e individualizada. Trabalhar com isso é muito comum visto que é o grupo de algoritmos base da formação da IA dos robôs em geral e que se conceituou como Nome, pois cada nome de pessoa também diz muito sobre ela e é a sua identidade. Mas pelo jeito os dois cientistas revolucionários à minha frente foram muito além do arroz e feijão que nos habituamos a fazer todo dia por aqui e em qualquer empresa do mesmo ramo.
Quero muito acreditar que meu olhar estreito e ameaçador afeta Guilherme, porém, ele está muito mergulhado nas próprias palavras carregadas de soberba e amando a admiração de todos, ao ponto que o meu asco não o incomoda nem um milímetro.
—… e, basicamente, elas não serão mais simples empregadas fazendo tarefas domésticas ou de babás e cuidadoras.
Guilherme faz um sinal para a Monique colocar no telão vídeos da Tiffany dançando com ele funk na praia e não há quem não derrube o queixo na mesa com a performance sublime de movimentos corporais ritmados e expressões faciais de diversão. Qualquer um que não seja previamente avisado com certeza vai confundi-la com uma moça linda e talentosa de verdade. A areia não atrapalha em nada seus pés, ela não esbarra e não pisa em nenhum momento no sapato do Guilherme. Como profissional, admito, com meu orgulho ferido, que suas articulações praticamente naturais e sua mecatrônica que lhe permite gestos admiráveis são de arrepiar pelo o que nossa ciência está conquistando.
Apenas me resta abaixar o rosto chateada por ter ficado trancada em casa sofrendo o final de semana todo, enquanto o safado ficou se divertindo na praia com uma tal de robôa funkeira e vá saber se a Monique depois de fazer esses vídeos, não caiu na farra junto.
— Elas desempenharão o papel de companheiras completas: reconhecerão seus proprietários de forma pessoal e íntima; identificarão profundamente suas emoções e desejos e executarão tudo que for necessário para agradar e oferecer experiências realmente únicas conforme a vontade do dono.
Novos vídeos vão mostrando com o funk comendo solto ao fundo (só pode ser para me zangar ainda mais em meus gostos por música também…) o quanto que a Tiffany consegue jogar vôlei de praia com eles; que consegue ir comprar sozinha com o dinheiro que o Guilherme lhe dá sucos e leva os copos contente para eles nas espreguiçadeiras. Não tenho dúvida que as equipes por aqui vão emitir até parecer técnico depois de tanto olhá-la em um provocante biquíni verde-limão minúsculo.
— Por favor, pode nos mostrar algumas de suas habilidades aqui também? — o senhor Ivan ordena com seu tradicional cavalheirismo para a tal Tiffany e rapidamente Monique liga o celular em uma música pop eletrônica agitada e a robôa, mesmo com salto, dança deslumbrantemente, um pouco sobre a plataforma e um pouco sobre o piso. Putz, não é CGI nos vídeos…
Depois, Monique troca a faixa para a música mais tocada no ranking do Brasil no momento de uma cantora sertaneja e Tiffany acompanha a melodia, cantando com movimentos bocais e sincronia perfeitos uma canção romântica que arrebata ainda mais os técnicos fascinados com sua capacidade cognitiva, e me enerva ter que engolir o Guilherme adorando essa exposição absurda.
Não há lags na Tiffany, mas em minha cabeça sim: chega a ser desconfortável e perturbador ser uma das poucas mulheres de carne e osso da sala e observar os homens enlouquecidos, babando por um objeto artificial e eu particularmente continuo sem entender se isso é alguma piada de mau gosto ou teste avaliativo do RH.
Sinto alguém cutucando meu cotovelo e vejo que é a Laura que pediu para trocar de lugar com um engenheiro, e ao me virar, ela pede para eu inclinar a cabeça e sussurra amigavelmente na minha orelha:
— Controle essa cara de ciúmes.
— Ciúmes? Eu só estou achando exagerado esse alvoroço — defendo-me para a Laura, baixinho. Só que ela permanece inflexível e talvez tenha razão e eu esteja mesmo com minha autoestima no chão, ao ponto de ter ciúmes que todos os caras aqui da empresa agora só vão pensar na Tiffany e mais ainda que não vou arrumar nenhum namorado.
— Obrigado, querida! — No que o senhor Ivan diz isso, Tiffany volta a ficar de pé em cima da plataforma e minha ficha enfim cai. Vejo mais uma traição diferente no ar. É impressão minha ou todo mundo aqui parece saber não só o que está acontecendo, mas estão super felizes com o resultado?
— Por favor, Cibele, pode nos agraciar mais uma vez com seu comentário final sobre o eletrocérebro na sua apresentação do mês passado?
Sou pega de surpresa pelo senhor Ivan que curte testar nossa memória, pois ele acredita que isso favorece o brainstorming. Por sorte, ainda tenho o documento daquela apresentação em minha área de trabalho e abro rapidamente para lê-lo, mas logo fico desconcertada pelo significado agora diante daquela mulher recém-criada em nossos laboratórios de robótica, tão refinada e com as mãos postas no quadril de forma solene também pronta para ouvir a minha leitura.
— É… — começo hesitante, mas noto a Laura querendo me cutucar e falo rápido: —… conclui que embora eletrocérebros já possam operar perfeitamente em robôs de escala diminuta, ainda é cedo afirmar com toda a certeza que esses mesmos tipos de cérebros possam operar corretamente em criações maiores do que um metro e meio e que chega a beirar o improvável a sua funcionalidade em possíveis futuras criações baseadas no corpo humano caso usemos os modelos atuais.
Encerro de forma mecânica e sentindo o peso de mais uma derrota, só para atender ao meu chefe-geral. Aliás, segunda derrota que o casal de traíras me causa em pouco tempo e é chato para caramba a forma como parece que todo mundo por aqui se uniu para quebrar meu argumento, esfregando essa tal de Tiffany na minha cara.
— Quero agradecer ao empenho de toda a equipe da Metarrobia e convido-lhes para participarem agora de uma votação para escolhermos juntos o Nome da próxima robôa de relacionamento que vai inaugurar nossa nova linha de produtos, após o teste e a apresentação com pleno sucesso da Tiffany!
Monique troca o slide e vemos no telão outra robôa que também é como uma mulher lindíssima, nível de atriz americana de cinema, uma loira de cabelo curto repicado e seios enormes e realmente agora entendo no que os dois grandes programadores e projetistas robóticos aplicaram tanta pele humana artificial.
Paralelamente à imagem tridimensional principal e de corpo inteiro dessa robôa girando para vermos sua anatomia e pequenos vídeos dela brincando docemente com um gatinho, vestindo roupas de academia em frente de um espelho e fazendo selfies provocantes com boca em estilo bico de pato e olhar de peixe morto (porque há quem ache isso excitante) — e não duvido nada que a Monique não vá fazer perfis em redes sociais para suas invenções para monetizar de formas torpes —, há uma lista suspensa de Nomes surgindo.
Observo o quanto que o senhor Ivan está mais empolgado do que nunca e Monique troca as imagens para os das câmeras da área de produção com mais robôas com a aparência idêntica a de mulheres, sem nada que remeta à condições robóticas, já montadas dentro de caixas no galpão. Elas só dependem de terem suas redes neuronais ligadas pelo software dos Nomes, cada qual recebendo uma identidade própria assim que a liberação for permitida pelos programadores administradores responsáveis sob aval do senhor Ivan, então, já poderão fazer e acontecer, ficando prontas para a entrega à logística ou para compradores exclusivos.
Fico pasma com a quantidade já feita até o momento, cada qual de uma etnia e genética diferente: tem ruivas, loiras, negras, orientais e etc. Todas com suas próprias roupas e sandálias atraentes, com a visível preocupação da Metarrobia de variarem também em cores e formatos diferenciados, como qualquer mulher que gosta de ser bonita e diferente das demais.
Mais do que os movimentos articulados, aparência ultrarrealista, voz e fala dinâmicas e com timbre criado especialmente para a Tiffany com tons doces e de natureza única (e com certeza cada robôa como ela tem sua voz própria), nem de longe ela ou as outras são como os robôs comuns.
Chamados de “robôs-funcionários”, “robôs de trabalho” ou “robôs de serviços”, eles sequer possuem uma personalidade cativante, e só cumprem suas tarefas designadas previamente. Até hoje a maior parte da produção de robôs se destinou ao mundo do trabalho e entraram em serviços como: linhas de produção em fábricas, campo, mineração, mar e espaço ou em atividades em hospitais, lojas e entregas ou em serviços domésticos e de manutenção de smart cities. Todos eles são androides típicos, com as mesmas feições faciais e só trocam de uniforme conforme cada trabalho que vão desempenhar, quando não completamente cromados sem a pele sintética especial que os humaniza melhor e são carecas, sem uma apresentação corporal com a qual se possa definir bem seus gêneros a não ser que o proprietário defina um tipo específico de voz de mulher ou de homem — o que já gerou problemas por se criar estereótipos de trabalhos que são mais femininos ou masculinos e por isso, eles possuem voz mecanizada e unissex. Sem mencionar os robôs-maquinários, que ainda lembram as primeiras criações robóticas do homem de décadas atrás, quando ainda não se tinha avançado tanto na área da biologia aplicada a robôs. Esses sim são como peças automatizadas, usados em oficinas e trabalhos pesados ou no setor da construção se comparados com um modelo como a Tiffany. Ainda podemos ver suas engrenagens, porcas, motores, etc., expostos e sem modelagem e estética apuradas, a não ser por um acabamento de pintura apenas, até porque não é necessário para essa categoria.
Só pela aparência vai ser mesmo um choque no mercado global e fico imaginando o susto dos proprietários quando virem do que essa nova linhagem será capaz.
Porém, não ter tido noção do que esteve acontecendo só joga mais luz em minha mente passando o filme “Como Sou Trouxa”, que ganhou uma nova versão agora — “Como Sou Trouxa: 2”. Tanto que ralei desde que fui contratada e passei a trabalhar aqui na Metarrobia… Inclusive troquei muitas noites de sono por noites programando em casa para adiantar serviço, e lembro com mágoa de todas as vezes que dividi tarefas com o Guilherme — porém, não sou eu ao lado dele nesse momento, sendo cumprimentada pelo senhor Ivan.
Tanto que também fui tomada por meu idealismo e acreditei estar fazendo algo de positivo para a sociedade através dos poderes da tecnologia. Aliás, o meu próprio follow-up do trimestre e que colei ao lado da minha impressora 3D indica para eu desenvolver o sistema nervoso digital de um cérebro que seria usado para simular o de seres vivos.
Por isso estive envolvida em estudos e testes com modelos de eletrocérebros para eletropets, que têm sido um dos carros-chefes de vendas de nossa empresa. E me lembro, respirando fundo para não chorar de mais raiva ainda na frente de todos e dar esse gostinho para os dois, que eu sonhei muito nas últimas semanas em criar, como mostrei em meus slides há pouco mais de meia hora, eletropets ainda mais inteligentes para alegrar novamente milhares de crianças pelo mundo.
Cheguei a compartilhar muito desses sonhos com o Guilherme, e até me falou que o eletropet dele iria se chamar Dadinho. Constato como que o tal robô-gato persa foi outra desculpa esfarrapada que ele inventou dias atrás, e ele a Monique realmente estiveram pelas minhas costas trabalhando em coisas abomináveis em todos os sentidos.
Aff, como tenho nojo dele!, e ainda o desgraçado está me olhando toda hora, revezando entre o pai e a namoradinha nova, como se quisesse assistir de camarote cada reação minha de decepção profunda por entender agora que meus conhecimentos têm sido usados e abusados sem nem meu consentimento para fins cujos valores eu não concordo.
Em nenhum momento cogitei que o trabalho que desenvolvo de maneira apaixonada e devota são na realidade para dar origem a um cérebro não para eletropets inofensivos, mas para humanos artificiais que serão objetos sexuais, porra!
Quando vejo boquiaberta o Guilherme e a Monique se sentando felizes da vida a duas cadeiras só de distância de ficarem de frente para mim, e um fazendo gracinha com o outro na longa mesa na qual todos os funcionários já estão votando pelo app da Metarrobia, parecendo pais de primeira viagem, sinto um enjoo e uma aversão que supera minha sensação de ter dado meu sangue por um projeto que na verdade meu próprio chefe escondeu de mim do que realmente se trata.
Mas por que fazem isso?
— Você não vai votar? Eu escolhi Ingrid. Acho que combina com o jeito delicado, mas sexy dela — ouço Laura me falando, e mesmo sem ânimo abro o app que usamos na empresa para interação entre os funcionários dos diversos departamentos e para agilizar a comunicação de notas internas e olho os nomes ofertados para votação:
1 – Evelyn
2 – Anaïs
3 – Luxury
4 – Ingrid
5 – Paola
E a lista vai embora por mais uns trinta nomes. Escolho qualquer um apenas para dizer que cumpri com o restante dessa tarefa que mais parece uma tortura.
— E o Nome de nossa primeira robôa hot será Anaïs, com 55,69% de votos de preferência. — Até o termo “hot” me dá ânsia de vômito. E não importa se será “robô de relacionamento” ou “robô hot”, acaba que é tudo uma merda por igual. Se já não bastasse minha revolta, dói ver o senhor Ivan animado, batendo alegre nas costas do filho e cumprimentando a Monique retardada, que abraça a Tiffany, falando que logo ela terá uma nova irmãzinha e que a família vai crescer muito ainda!
Não sei qual absurdo é maior: se isso que a Monique acabou de falar ou mais piadinhas inconvenientes sobre o nome da robôa lembrar “anal” e a porcentagem indicando o que muitos homens vão fazer com ela.
Após a votação, ainda estou incrédula com o rumo que tomou o projeto em qual trabalhei duro nos últimos meses, passando de uma alegria para crianças, para uma grande perversão de adultos. Todavia, recebo uma notificação de e-mail e vejo pelo assunto que são diretrizes novas de trabalho que o senhor Ivan acabou de mandar para todas as equipes.
— Vamos começar a etapa de testes finais nas redes neuronais e em breve enviaremos para nossos fornecedores as primeiras robôas da nova coleção. Quero agradecer muito a todos e sejam bem-vindos à nova era da robótica que a Metarrobia está inaugurando! — O senhor Ivan então se despede e percebo que o tempo todo era apenas o holograma dele na sala de reuniões, pois sua imagem holográfica começa a tremer e a piscar rápido até que ele some da sala. Provavelmente ele deve ainda estar resolvendo questões na filial do Chile.
Vejo que a maioria dos funcionários — incluindo o “casalzinho sensação” que sai envolto em elogios e me ignorando totalmente para irem com a Tiffany andando naturalmente (e causando ainda mais aplausos), pelo o que escuto, para o estoque — decide pegar o elevador ultrarrápido para voltarem para suas estações de trabalho. Assim, mais ainda que faço questão de pegar as escadas. Tanto para não vomitar, quanto para tentar pôr minha cabeça em ordem.
Já não basta eu ter que aguentar aqueles dois juntos aqui na empresa — e me assusto com minha inveja me queimando porque minha equipe só faz bicho cromado, ao passo que a equipe encabeçada pelo Guilherme e Monique já está criando robôs praticamente cópias fiéis de humanos. E talvez até a gerente de minha equipe Laura também saiba; então ela não jogou limpo igualmente. Eu jamais entraria num projeto nojento desses.
Agora sei o que os cientistas do Projeto Manhattan sentiram. Meu cérebro foi usado, abusado e cuspido na minha frente na forma de um projeto horroroso e não quero meu nome envolvido nisso. Mas o que posso fazer? Empregos que ainda paguem e gerem Créditos simultaneamente não são fáceis com toda essa revolução industrial 4.0, e como a área da programação está mais disputada do que medicina, vou ter que engolir essa aberração na tentativa de ir tocando os próximos meses como uma boa funcionária até voltar para a posição de pontuação que eu estava nos meus Créditos.
Minha mente está pesando uma tonelada quando retorno para minha mesa de trabalho. Esforço-me muito para focar e ler o e-mail novo de orientações de trabalho e odeio cada palavra, por não serem mais sobre programar latidos e miados e acho que só vou voltar a codar isso se for para fantasias sexuais realmente bizarras. Mas já entendi que mesmo mexendo com códigos, fui enganada e não vi o que estava por trás deles.
Fazer alteração nos modelos de linguagem falada e pensada com a adição das seguintes frases especificando as instruções executáveis para o banco de dados de fonemas do idioma português brasileiro:
“Por favor, me coma com força.”
“Oh, mais fundo, por favor.”
“Não pare! Isso!”
E eu ainda tento levar meu trabalho a sério. Francamente.
— Nossa, até que suas frases são fáceis de programar. A não ser que depois nos mandem tarefas mais puxadas quando formos inserir os idiomas europeus. — Tamara minha colega no departamento de programação fala depois de olhar na minha tela, assim que me vê esfregando meu rosto e bufando de saco cheio. Ela é recente no meu setor, faz apenas quinze dias que voltou do México. Pelo menos a empresa está investindo em diversidade e penso, reconfortada, que não vou mais sentir tanto a falta de uma amiga no trabalho, porque pretendo evitar ao máximo a Monique de agora para frente. E definitivamente preciso tirar da minha mente esse problema paralelo e focar em minha tarefa do dia.
— Elas… poderão se encontrar com os homens em locais públicos como restaurantes, clubes, praias…? — pergunto impressionada ao também espiar a tela dela e a relação de frases que ela deve programar e inserir no eletrocérebro da robôa, ou melhor, de Anaïs. — Sim, e ainda preciso filtrar e variar o tom das cordas vocais sintéticas de cada uma depois. A IA delas vai usar a big data para procurar nas redes sociais pelo reconhecimento facial de quem é o cara que está com elas e verificando o perfil dele, verá pelos algoritmos de preferências se ele prefere uma mulher mais atirada ou mais comportada em ambientes públicos. Eu estou inserindo as frases que ela dirá na situação de se fazer de santinha para deixar o cara louco, combinando com sua linguagem corporal já que elas também vão ler isso em seus parceiros. Mas é complicado a nível pessoal na verdade: sou lésbica ativa e com certeza não é do meu perfil ser romântica.
Percebo que não sou a única que está no lugar errado. Esta empresa entende tudo sobre produtos e clientes, no entanto, tem uma péssima política para tratar e valorizar seus próprios funcionários ainda.
— Acho melhor nós duas vermos alguns pornôs de verdade para tirar alguma inspiração, pois também não estou com cabeça para pensar e acertar as falas gemidas dela — comento em tom de brincadeira, imitando alguns gritinhos na cama e Tamara ri muito junto comigo, mas percebo que alguém está me olhando pelas costas, pesadamente.
Quando me viro, dou de cara com o Guilherme e noto que ele ouviu tudo e pela cara de choque dele, deve estar pensando que estou marcando minha saída de vingança contra ele com a Tamara para esta noite e estou ali a animando com o que a espera.
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